domingo, 26 de dezembro de 2010

ACORDO

Acordo, não vislumbro o contorno do teu rosto no canto da minha almofada e começo a elevar a madrugada apenas com a ausência que me deixaste, sem hesitação nos gestos, porque partiste de onde nunca chegaste a estar.
E é assim que mais uma outra noite chega, e dentro dela novamente te procuro, encosto-me ao teu nome nas ruas por onde passas sem que te veja, e a solidão abre-se nos meus dedos como um cravo vermelho a desfolhar Abril.
Meu amor, amor de breves, curtas e inconsequentes palavras, arranco a tua imagem de mim e desfolho-a lentamente, até que uma outra que de novo aflora é ainda a tua boca começando a nascer perto da minha boca. E eu nada mais faço senão escutar o pio inseguro dos pássaros que são os teus toques, encosto a minha face ao teu rosto e pergunto-me o que me aconteceu. Porquê eu. Mas não serei só eu...Dói-me o ar que respiro e doem-me as palavras curtas que te devolvo de forma interdita. E antes que mais palavras regressem e eu já nem queira reconhecer o teu nome nas manhãs claras, deixo que a noite desça e cresça dentro de mim uma vontade indómita de agarrar um pássaro e com ele voar carregada das flores dos teus olhos e, aos tropeções, singrar na direcção do vento norte, e sobre as nuvens me abrir a um outro amor que me espera lá longe. E é assim que amorosamente toco o que resta de ti e espero que uma outra música suba, um corpo real me arranque deste relâmpago e um raio de sol brilhe num outro bosque rumoroso de luz, aqueça esta minha água fria e eu consiga ouvir Chopin.

clara roque esteves

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