terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O bailado das gaivotas

No caudal ensolarado do rio
dançam gaivotas
em bailado brando
suave, azul.
Também cantam, exultam
num rodopio sem mágoas,
numa melodia repetitiva.
e num ostensivo respeito pelos cânones
desenham um anel redondo, redondo,
tão de leve e ofuscante
que esqueço o sortilégio da maresia,
recolho-me muda, calma
e sustento-me
daquele tremendo compasso
que apenas eu ouvia.

Imagino que havia um sentimento singular na celebração das gaivotas....


(Março de 2010)

domingo, 26 de dezembro de 2010

ACORDO

Acordo, não vislumbro o contorno do teu rosto no canto da minha almofada e começo a elevar a madrugada apenas com a ausência que me deixaste, sem hesitação nos gestos, porque partiste de onde nunca chegaste a estar.
E é assim que mais uma outra noite chega, e dentro dela novamente te procuro, encosto-me ao teu nome nas ruas por onde passas sem que te veja, e a solidão abre-se nos meus dedos como um cravo vermelho a desfolhar Abril.
Meu amor, amor de breves, curtas e inconsequentes palavras, arranco a tua imagem de mim e desfolho-a lentamente, até que uma outra que de novo aflora é ainda a tua boca começando a nascer perto da minha boca. E eu nada mais faço senão escutar o pio inseguro dos pássaros que são os teus toques, encosto a minha face ao teu rosto e pergunto-me o que me aconteceu. Porquê eu. Mas não serei só eu...Dói-me o ar que respiro e doem-me as palavras curtas que te devolvo de forma interdita. E antes que mais palavras regressem e eu já nem queira reconhecer o teu nome nas manhãs claras, deixo que a noite desça e cresça dentro de mim uma vontade indómita de agarrar um pássaro e com ele voar carregada das flores dos teus olhos e, aos tropeções, singrar na direcção do vento norte, e sobre as nuvens me abrir a um outro amor que me espera lá longe. E é assim que amorosamente toco o que resta de ti e espero que uma outra música suba, um corpo real me arranque deste relâmpago e um raio de sol brilhe num outro bosque rumoroso de luz, aqueça esta minha água fria e eu consiga ouvir Chopin.

clara roque esteves

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

É natal

Já não saem mágoas dos meus lábios nem morro em delírio ao sol.
As nuvens não voam rubras em assonâncias de desgosto e há no canto do rouxinol de mim um sentimento de ventura como se fora Abril a cantar.
As folhas amareladas que caem das árvores na minha rua lembram sementeiras do tempo em que a amor passou e não encontrou postigo aberto.
Tudo se confunde, por vezes, quando inspiro pensamentos e não morro em fluxos de procissão nem em refluxos dos oceanos de ternura que já vivi.
O sol morre em delírio, as nuvens dão ideia de chuva, remiro-me em mim e sorrio constrangida ao ver os borbotões de horas gastas em pequenos nadas.
Foram equinócios, foram solstícios sem data marcada, foi volúpia in extremis excedida por grandes momentos de glória.
Cala-se agora o canto do desgosto, desmaia o luar, excedo ideias de moinhos quixotescos e lanço, à laia de sentença, um par de olhos para os toques de aguarela patenteados no fundo do teu primor. Ocultas defeitos que de tão velhos já nem desfiam desapontamentos na singela e pobre tonta que por vezes pareço ser.
E hoje, irreverente como sou, mal a claridade desponta, pinto os lábios de sol, as unhas de vaidade e coloco ao colo um cordão de espigas de amêndoa amarga não trabalhada.
Não há quimeras em sortilégios de sol nem mortalhas de luas desmaiando em aromáticas pradarias, nem o tempo é de cardos agora.
O vento sibila lá fora mas cá dentro já me chega o cheiro arroz doce incensado com canela, os copos de cristal, até há pouco embalsamados, despovoam jubilosamente a porta do seu lugar em expressão brilhante como se foram humanos.
Cheira a ervas aromáticas, cheira a vinho moscatel, tomam-se as medidas das coisas, passam as horas e seguem-se as contas da Vida em festejo de júbilo pressentindo que nada volta a ser como dantes: eu sou outra, acho mais acertado fazer uma viagem à volta de mim, dar quatro passos, não me desfazer em pedaços, gritar com esperança de não mais ouvir falar em guerra, cheirar a redenção do amor em cada ser humano, embarcar em outro cais, fazer gestação em novas encruzilhadas, comunicar os meus desejos infantis de não capitanear em ilhas desertas, esperar por ECCE HOMO, e dar-vos um imenso abraço porque, antes de mais, é NATAL

Clara Roque Esteves

sábado, 18 de dezembro de 2010

ARCO ÍRIS

Fecho os olhos e reconto as cores do arco-íris
Não falta nenhuma!
O dia foi puro, minutos sem limbos
Mas esta nocturna ilha de silêncio
Reporta-me saudades de ti.
África é longe, é pretérita,
Tu mesmo és pretérito,
Trajecto de ausências.
E assim invado a fúria dos sentidos
Fecho os olhos e retenho a ficção dos aromas
Cega de ti, surda de nós,
Muda do cheiro das nossas saudades.
Aquele adeus partiu em fragmentos
Os presságios de um ar húmido de silêncios.
Os pássaros perderam as penas
Cegos de saudade, cegos de clamores, também.
E vagueiam cegos ainda pelas praias pálidas
De rochedos chorosos
Onde o dedo da brisa cobre nuvens esfumadas.
Os sonhos enrolam surpresas
E eu, impenitente, olho o poente
E em lânguidos silêncios
Mergulho a nostalgia
No perfume da rosa húmida que ontem não me chegou.
De outro modo, como conto as cores do arco-íris?

Clara Roque Esteves

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

César e os Açoreanos- O VÓMITO

Um vómito
O subsídio de César não foi para os funcionários pobres das ilhas. Foi para aqueles que mais ganham

Por: Francisco Moita Flores, professor universitário

 Carlos César, presidente do Governo Regional dos Açores, tornou-se o ilustrativo exemplo de como a política, quando já se julga que não pode descer mais baixo, ainda tem mais um degrau para descer no mundo da amoralidade. Os subsídios aos funcionários atingidos pelos cortes nos vencimentos, que segundo ele não ultrapassam três milhões de euros, nem chegam a ser uma medida populista. Atingem um núcleo restrito de técnicos superiores, chefes de divisão, directores e subdirectores, nos quais se incluem naturalmente o contingente dos seus mais leais serviçais políticos. Os ‘boys’ de César. Não tem a ver com ultraperiferia nem com a atracção de novos quadros, como alguém argumentou, pois não vai surgir desta decisão cesarista um movimento migratório de quadros técnicos para os Açores. Tem apenas a ver com ambição e perfil de quem nos governa. Tido como um dos eventuais substitutos de Sócrates, o que daqui resulta é que quer atingir Sócrates. Não pela criação de uma política nobre, mas à cotovelada. O subsídio de César não foi para os funcionários pobres das ilhas. Foi para aqueles que mais ganham, e ao mesmo tempo um valente pontapé no Governo central do seu Partido. Em nome dos Açores? Não. Em nome da Autonomia? Não. Em nome dos interesses estratégicos de César. Um general que não alimenta as tropas corre o risco de deserções.A sua decisão não foi apenas uma afronta ao Governo da República. É um escárnio sobre os funcionários que nas mesmas condições, em zonas mais pobres do que os Açores, estão comprometidos com o apertar do cinto orçamental. É o desprezo absoluto pela política nacional por troca com os prémios de jogo que decidiu pagar às suas clientelas regionais. Diz que este ano a massa resulta de umas obra num campo de futebol que não se farão. E para o ano? E para o ano seguinte? É claro que acabarão por pagar aqueles que viram no resto do país os seus salários cortados. Não admira pois que esta mediocridade moral nem consiga receber o apoio do seu Partido. É levar demasiado longe o caciquismo. Aos limites do vómito. Porém, regozija-se o Bloco de Esquerda, o símbolo maior do refilanço pré-juvenil com e sem causas. E…. Manuel Alegre! É doloroso ver um candidato a Presidente da República preso a esta imundície moral por necessidade de votos. Dirão alguns que é coisa menor comparando com os muitos milhões do BPN e de outros imbróglios afins. Seria verdade se o dinheiro fosse a medida de todas as coisas. Mas não é. A maior das medidas é o sentido de Pátria, assumida com elevada responsabilidade e rigor. E isto César não sabe o que é.  

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Just because

Once
we mixed sweetness and fruits
Between the wings and the flight
Glued our bodies
With the same dust.
And lovely glued again and again
Now
Irony is an attitude of life
And when I remember the moments
Running the border of your body
I drink the whisper of your face
Wait for the silence of the night
Draw the lines of your lips,
And wait for a word.
There is nothing but silence,
Like a cutting edge

                                                    
Just because...


Clara Roque Esteves

domingo, 12 de dezembro de 2010

Construí sonhos


Do tempo que levei a sepultar palavras
Das palavras que transformei em silêncios
Dos silêncios que deixei sem repouso
Do repouso a que lancei fogos
Dos fogos que secaram fontes
Das fontes que me levaram a memória aos rios
Dos rios que sem trégua derrubaram minhas pontes
Das pontes donde mirei abismos
Dos abismos onde redescobri a minha dimensão
Da dimensão onde instalei a minha resistência
Da resistência onde me perdi em labirintos
Dos labirintos da esperança que me restou
Construi sonhos
Para que ninguém desse conta
Que as palavras sepultaram silêncios
Condenaram vidas
Adiaram lutas
E que num planeta sem luz pode morrer uma bandeira.

Clara Roque Esteves


Fome de quê?

E foi assim que ali entrei, passando a factos um equilíbrio de pernas trôpegas, como se fosse surpreendida no meio duma visão percorrida no crepúsculo.
Demorei algum tempo a olhar para tudo, ondulando enjoada, como folha no chão que nem o vento consegue arrastar.
Abrandei a voz, desimpedi caminhos e voltei a rodar em torno do meu contrário, depois de encaixar às costas o peso da decisão: Uma história sem sonoridades.

De repente, era como se ali não estivesse ninguém. Eu via a savana sair-me ao caminho numa opressão amarga, abria as pernas à violência da mágoa, esgaravatava os ventos em segredo, apreendia mensagens em surdina, bebia o fel que a tristeza não queria, fazia-os bonitos para os navios que teimavam em não chegar ao porto. E pensava no odor das acácias amarelejando algures lá longe, onde vozes se repetiam na cadência dum linguajar que me não era estranho.

Os dias passavam por todos e abrandavam a voz como se faz quando os ventos repetem ecos que se não conseguem explicar.
Alguns vezes olhava para trás, depois de esboçar um sorriso reservado a olhos que reconhecem o infortúnio, mas sempre, sempre a olhar.
Não se fez à estrada porque esperava que um raio de sol lhe projectasse imagens coloridas ou alguma riqueza de amor lhe cintilasse ainda um qualquer nascer de aurora.
E cada dia que passava era um purgatório onde se mantinha prisioneira, ela e os filhos..
A luz dos partos mostrara-se abençoada e, por vezes, os ventos até parecia soprarem de feição. E passava para o papel da vida imagens com uma mestria ou uma versatilidade de desenhadora de cenários independentes, convivendo, no mesmo grau com a  fome, a solidão e o amor, num desempenho profundo das sensações da maternidade para que fora talhada.

E vieram algumas primaveras sem temporizador, deslizaram anos arrumadinhos em cima do tempo e toda a gente fazia de conta que o tratado, incaracterístico, era para cumprir.

Encontrou-se de pé num navio altamente conturbado e em risco de execução sem julgamento. Um fio de cabelo separava literalmente a sua vida de um futuro novo.
Observou as luzes a partir das grades das janelas, debruçada sobre a rua onde folheara histórias, aconchegando penas e amolecendo raivas sem grande sonoridade.
Desenhou as linhas do futuro cobrindo o rumo com tintas coloridas, não discutiu o preço das telas e, num só traço, fundiu olhares e descansou noutro chão o sufoco dos seus seios ainda com bicos....

O que é o painel?

O que é o painel?